A prescrição de medicamentos à base de cannabis por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais ainda desperta muitas dúvidas, especialmente do ponto de vista legal. Por essa razão, neste mês de junho, decidimos trazer algumas entrevistas e informações relacionadas. Acreditamos que, quanto mais transparência e confiabilidade na comunicação sobre o tema, melhor o entendimento de que o uso medicinal da cannabis pode ser extremamente amplo. Desta vez, o entrevistado é o Dr. Francisco Salustiano, fisioterapeuta e também advogado.
USA Hemp: Qual a base legal para fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais prescreverem os canabinóides?
Dr. Salustiano: Posso apontar algumas. Primeiramente, o Decreto-lei 938, de 13 de outubro de 1969. Depois, a Resolução do COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional 380/2010), que regulamentou pelos fisioterapeutas as PICS (Práticas Integrativas e Complementares de Saúde). Há também o Acórdão COFFITO 611/2017, que permite a prescrição, além de outros medicamentos, como fitofármacos/fitoterápicos por fisioterapeutas. Encontramos também a RDC da ANVISA sob o 660, de 30 de Março de 2022, que, logo em seu primeiro artigo, ao apontar critérios e procedimentos para prescrição de Cannabis medicinal, afirma que “esta Resolução define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”.
USA Hemp: Existem, do lado contrário, leis que proíbem esses profissionais de prescreverem?
Dr. Salustiano: No Brasil não há lei que proíba o Fisioterapeuta ou o Terapeuta ocupacional de prescrever. Não há lei que proíba a prescrição por fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais, logo, se não há lei proibindo, segundo conceito jurídico, permitido é.
USA Hemp: Existe algum preconceito social ou profissional relacionado à prescrição do fisioterapeuta neste contexto?
Dr. Salustiano: Não existe qualquer preconceito social para prescrição pelo fisioterapeuta, até porque não há nenhuma comprovação científica para tal, e a sociedade sabe da importância do fisioterapeuta para o restabelecimento da saúde. A competência profissional do fisioterapeuta foi demonstrada na pandemia da COVID-19. Observo que o preconceito existe por falta de informação séria e verdadeira, principalmente com relação à indústria farmacêutica. Inclusive, o Ministério Público reconhece tal pŕescrição, conforme a Notícia de Fato de nº 00826.000.484/2022, de 25/08/2022, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (Promotoria de Justiça Criminal de Pelotas). Nela, pontua-se claramente que “pode-se dizer que os fisioterapeutas podem prescrever medicamentos, inclusive não fitoterápicos, desde que observadas as normatizações estabelecidas pelo COFFITO a respeito da temática, e, claro, a legislação pertinente”. Ou seja, ficou a critério da autarquia (COFFITO) estabelecer as regras.
USA Hemp: O que o senhor orienta aos profissionais da classe que desejam iniciar a prescrição de produtos de cannabis?
Dr. Salustiano: Que procurem cursos sérios, que apresentem neles as evidências científicas e não iniciem neste campo sem o devido conhecimento científico, tecnológico e legal. E também que procurem seu conselho de classe diante de qualquer dúvida ou impedimento.
USA Hemp: Qual o papel do fisioterapeuta na prescrição dos canabinóides?
Dr. Salustiano: Visar sempre a melhora do paciente e utilizar continuamente a prescrição de forma individualizada, pois cada paciente deve receber uma prescrição conforme seu quadro. Para isso, cabe a realização do diagnóstico nosológico pelo fisioterapeuta , sendo este diagnóstico amparado na Lei 12.842/2013, artigo 4º, parágrafo 7º e por decisão do STJ, no julgamento, pela primeira turma, dos embargos de declaração do REsp 1.592.450. Inclusive, tal decisão deixa clara a indicação de tratamento pelo profissional de fisioterapia.
USA Hemp: Para judicialização de pedidos de Cannabis, pode-se ter o pedido do Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional?
Dr. Salustiano: Claro que sim, não encontro amparo legal para esta negativa. Havendo tal negativa estaria o juízo cerceando direito constitucional estabelecido no artigo 5º, XIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao apontar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.